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A Psicose do Progresso: Estamos Prontos Para Fazer o Que Quisermos? (PONDÉ)

Atualizado: 13 de jun.

O mundo moderno nos empurra para a ilusão do controle. Estamos condicionados a acreditar que basta esforço, planejamento e motivação para moldar o destino. Mas, e se tudo isso não passasse de uma farsa? O filme Manchester à beira mar nos lembra, de forma brutal, que a contingência governa a existência – que basta um erro, um deslize, para que a vida como conhecemos se desintegre diante dos nossos olhos. Reverência à tragédia não é pessimismo. É um reconhecimento necessário de que a vida não se curva à nossa vontade. E no mundo acelerado que despreza essa percepção, ignoramos a única verdade que realmente importa: o descontrole sempre vence.

Trouxemos algumas ideias do filósofo Pondé para refletirmos um pouco sobre temas atuais da sociedade brasileira, espero que fiquem conosco até o final e deixe sua opinião nos comentários. 

Nossa reflexão se inicia com uma pergunta sem resposta: Por Que Temos Medo do Acaso?

Vivemos em um tempo onde tudo parece estar sob controle. Planejamos cada etapa da vida com aplicativos, metas, estratégias. Nos dizem que basta trabalhar duro, visualizar o sucesso e tudo dará certo. Mas, então, o inesperado acontece. Um erro, um desastre, uma reviravolta — e o castelo desmorona. Poucos aceitam essa verdade, porque ela confronta a ilusão mais confortável da modernidade: a ideia de que dominamos nosso destino.

Os antigos sabiam melhor. Aristóteles enxergava na tragédia um instrumento poderoso para ensinar que a vida não é previsível nem justa. A arte trágica deveria provocar medo e compaixão, lembrando que estamos sujeitos às forças do acaso. Nelson Rodrigues sintetizou isso ao dizer que a verdadeira tragédia deve ser assistida de joelhos. Não se trata de fraqueza ou rendição, mas de respeito àquilo que não podemos controlar.

O filme Manchester à beira mar,  ilustra esse conceito de forma brutal. Casey Affleck interpreta um homem que carrega o peso da contingência mais cruel: um erro, uma distração e sua vida desmorona. Ele não é olhado nos olhos pelos moradores da cidade, porque representa o desastre inesperado, o destino sem piedade. Ele personifica aquilo que todos temem, mas poucos têm coragem de encarar: o acaso governa a existência.

O paradoxo da modernidade está aqui. Ao mesmo tempo que somos obcecados pelo controle e pela produtividade, nunca estivemos tão vulneráveis. Vivemos na era dos mantras motivacionais, do “você pode tudo”, do otimismo irracional. Mas o que acontece quando a realidade bate à porta? Quando um plano falha, um negócio se perde, uma tragédia pessoal acontece? Sem preparo para lidar com o imprevisível, muitos sucumbem.

O discurso motivacional e a cultura da autoajuda frequentemente sugerem que basta querer algo para que aconteça. Mas o problema não está apenas na mentira, e sim na fragilidade que esse pensamento gera. Quando alguém constrói sua vida acreditando que tudo está sob seu controle, o choque com a realidade é devastador. Não há resiliência quando se nega a existência da incerteza.

O estoicismo, que volta a ganhar popularidade, toca nesse ponto crucial. Ele não promete sucesso ou realização, apenas uma maneira de lidar com o que escapa ao nosso domínio. Para os estóicos, aceitar a imprevisibilidade da vida não significa passividade, mas força. Quem entende que nem tudo está em suas mãos desenvolve firmeza diante da adversidade. O verdadeiro poder não está em evitar o sofrimento, mas em saber enfrentá-lo.

É por isso que a reverência à tragédia não deveria ser descartada. No passado, os ritos e as tradições ofereciam uma forma de lidar com o desconhecido. Hoje, negamos o acaso e o descontrole como se fossem uma falha da realidade, algo que deveria ser corrigido. Essa recusa nos enfraquece. Quem ignora a fragilidade da existência tende a ser menos preparado para quando o destino decidir agir.

A pergunta que fica é: o que acontece quando nos damos conta de que não podemos controlar tudo? Alguns se desesperam. Outros amadurecem. No fim, a única escolha real que temos é como reagimos ao inesperado. Se aceitamos a contingência e aprendemos a viver com ela, nos tornamos menos vulneráveis. Se a negamos, continuamos frágeis diante da única certeza que existe: o descontrole sempre vence.


Esteja preparado para esse momento. Ele sempre chega.

Dopamina da Autoajuda: "Reinvente-se" é o Novo Ópio.

Vivemos em uma era onde o fracasso é um tabu. Frases motivacionais inundam redes sociais e livros de autoajuda, vendendo a ilusão de que basta “mudar a mentalidade” para que tudo se resolva. Mas será que isso realmente funciona? Ou será apenas uma forma de evitar as realidades mais duras da vida?

Essa ideia de reinvenção pessoal, amplamente promovida, não passa de uma armadilha bem camuflada. "Seja sua melhor versão", "ame a si mesmo antes de tudo" — são slogans sedutores, mas escondem uma simplificação perigosa da existência. Em vez de ensinar maturidade, fortalecem a ilusão de que somos seres autônomos e livres de contingências. E é aí que mora o problema.

Pondé é direto: “Conversa motivacional é a coisa mais brega do mundo.” E ele tem razão. A cultura motivacional vende uma fantasia de controle absoluto, ignorando que fracassos, imprevistos e limitações fazem parte da estrutura da vida. É como vender felicidade em pílulas: o efeito é passageiro, e a realidade sempre cobra a conta.

Nietzsche já antecipava essa tendência. Ele criticou profundamente a busca por verdades confortáveis e via o sofrimento como essencial à transformação humana. Para ele, a força não vem do otimismo vazio, mas do confronto real com a dor e a dificuldade. A verdadeira evolução pessoal não está em repetições mecânicas de frases motivacionais, mas na aceitação da dureza da vida.

E o que torna esse tipo de discurso tão viciante? Porque ele nos poupa do desconforto. É muito mais fácil repetir frases prontas e seguir gurus da autoajuda do que encarar a verdade de que fracassar faz parte. O fracasso real não vem com um manual de superação; ele exige resiliência que não pode ser comprada em cursos ou livros.

Um estudo da Universidade de Melbourne revelou um dado interessante: pessoas expostas frequentemente a mensagens de autoajuda tendem a desistir mais rápido diante de obstáculos. O motivo? O discurso otimista gera expectativas irreais, fazendo com que qualquer dificuldade pareça um sinal de fracasso pessoal. A promessa de que "pensamentos positivos" bastam para mudar a realidade é perigosa — porque quando a vida resiste, muitos não sabem lidar.

Isso explica por que a frustração e a ansiedade aumentam, apesar da avalanche de conteúdos motivacionais. A ideia de que é possível “criar sua própria realidade” desconsidera que a vida é atravessada por fatores externos, circunstâncias que fogem ao nosso domínio. O mundo não é um palco para a nossa vontade individual.

A saída não está na negação do fracasso, mas na compreensão madura da existência. O sofrimento não precisa ser romantizado, mas deve ser encarado como parte do processo. E talvez seja exatamente isso que a cultura motivacional mais teme: aceitar que nem sempre há um jeito fácil de contornar as dificuldades.

Talvez estejamos precisando menos de frases de impacto e mais de verdade. Nem tudo pode ser resolvido com mentalidade positiva. Algumas dores precisam ser vividas, e algumas derrotas são inevitáveis. O que realmente importa é como lidamos com isso — sem ilusões, sem fuga, e sem a necessidade desesperada de se reinventar a cada obstáculo.

Afinal, quem vive tentando se reinventar talvez nunca tenha sido nada para começo de conversa.

Por Que Nossa Geração Tem Medo de Crescer?

A promessa era de liberdade. O mundo moderno ofereceu acesso à informação, autonomia, tecnologias que encurtam distâncias e um mercado de trabalho dinâmico. Mas no meio dessa revolução, algo estranho aconteceu: a geração adulta se recusou a crescer.

Jean Twenge estabeleceu quatro marcadores da vida adulta — ganhar dinheiro o suficiente para se sustentar, sair da casa dos pais, ter relacionamentos duradouros e planejar filhos. Durante séculos, essas eram etapas naturais do amadurecimento, mas hoje parecem cada vez mais distantes. Não porque o mundo ficou impossível, mas porque muitos simplesmente não querem encarar a dureza da realidade.

Alan Moore, criador de algumas das mais brilhantes narrativas gráficas, enxergou esse fenômeno antes de se tornar evidente. Ele observou que a cultura pop começou a se transformar em uma bolha de fuga para adultos incapazes de lidar com a vida real. Filmes de super-heróis, nostalgia dos anos 80, colecionáveis e convenções viraram refúgios onde se pode fingir que a infância nunca acabou. Mas o preço dessa ilusão é alto.

Homens de 30 anos vestindo camisetas do Homem-Aranha e discutindo quem venceria uma luta entre Batman e Superman não são exatamente um problema por si só. O problema acontece quando essa infantilização transborda para áreas onde a responsabilidade deveria ser inevitável. Um mercado que paga salários baixos oferece mesas de ping-pong e “ambientes descontraídos” como solução. Empresas criam espaços pet para humanizar relações de trabalho, enquanto exploram funcionários que não têm maturidade suficiente para negociar melhores condições.

O que parece inovação, muitas vezes não passa de infantilização disfarçada.

Essa tendência não está isolada. A psicóloga Twenge observa que, nos países mais ricos, os jovens atrasam o amadurecimento, evitam compromissos e buscam estratégias mais lentas de vida. Quanto melhor o PIB, maior a infantilização. É a lógica da abundância: quando o mundo oferece conforto, muitos escolhem o caminho menos exigente.

O filósofo Roger Scruton também via com preocupação essa crise de identidade. Para ele, uma sociedade sem ritos de passagem perde a noção de responsabilidade. Se não há marcos que indicam o momento de amadurecimento, o indivíduo pode simplesmente permanecer no estado infantil indefinidamente. Sem desafios, sem dificuldades reais, sem consequências que o forcem a sair da zona de conforto.

O storytelling do jovem em uma entrevista de estágio mostra bem isso: ao invés de discutir expectativas reais, a empresa oferece um ambiente que reforça essa falta de crescimento. O candidato acha graça do discurso moderninho — mas descobre que o salário não cobre nem o aluguel. Tudo foi desenhado para que ele se sinta acolhido, mas não para que ele se torne independente.

A pergunta que fica é: estamos criando adultos ou eternas crianças envelhecidas?

E o impacto disso vai muito além da cultura pop. A fragilidade emocional cresce, a capacidade de lidar com adversidades diminui e a ideia de que “o mundo deve se adaptar aos meus desejos” se fortalece. O problema não é consumir entretenimento ou gostar de elementos nostálgicos. O problema começa quando isso se torna um escudo para fugir da vida real.

Crescer é incômodo. Amadurecer exige enfrentar incertezas e assumir responsabilidades. E por isso, muitos preferem seguir

Sabedoria Que Ignoramos.

A frase de Emil Cioran ecoa uma verdade incômoda: o que sabemos hoje, em grande parte, já sabíamos antes. O tempo não nos dá novas verdades, apenas confirmações. E, no entanto, vivemos obcecados pela novidade, desprezando o que já foi dito por aqueles que vieram antes de nós.

Os clássicos não são apenas livros antigos. Eles são experiências destiladas, reflexões que atravessaram séculos porque contêm verdades essenciais sobre a condição humana. Quando Shakespeare escreveu Macbeth, ele não estava interessado apenas em contar a história de um rei assassino. Ele falava da ambição como força destrutiva, um tema que atravessa o tempo e explica desde revoluções políticas até os excessos do mercado de trabalho moderno. Seu chefe pode não empunhar uma espada, mas a lógica é a mesma.

Mas estamos perdendo essa conexão. O fenômeno dos trigger warnings em universidades, alertando sobre possíveis "conteúdos desconfortáveis", revela um mundo cada vez mais frágil. Há avisos sobre textos antigos que “podem causar mal-estar”, mas ninguém nos alerta sobre as dificuldades reais da vida. E, pior, estamos criando gerações que confundem desconforto com ofensa e desafio com trauma.

Nietzsche já antecipava essa crise de percepção. Ele afirmava que não aprendemos pelo conforto, mas pelo embate com a realidade. O conhecimento real surge quando uma ideia nos desafia e nos força a pensar além das nossas certezas. E, no entanto, cada vez mais consumimos apenas aquilo que nos confirma, evitando qualquer confronto com pensamentos que possam abalar nossas crenças.

Roger Scruton também via com preocupação essa aversão ao passado. Ele argumentava que a tradição não é um peso morto, mas um guia para a continuidade da civilização. O presente só pode ser compreendido à luz daquilo que já foi testado e vivenciado. Mas se ignoramos a experiência acumulada, ficamos à mercê de modismos intelectuais que não têm profundidade suficiente para durar.

A cultura moderna tem uma obsessão doentia com a ideia de “progressismo intelectual”. O novo é automaticamente melhor. O antigo é descartável. Mas a verdade é que, quando se olha para os grandes pensadores, percebe-se que as questões fundamentais da vida continuam as mesmas. Amor, ambição, poder, perda, medo — nada mudou. Só criamos novas palavras para descrevê-los.

Se você apenas consome conteúdos que reforçam sua visão de mundo, não está aprendendo nada novo. Está apenas acumulando conforto. E o conforto intelectual pode ser tão perigoso quanto a acomodação física: nos torna fracos, menos preparados para enfrentar os desafios reais da existência.

A vida não vem com alertas. Ela acontece, sem filtros, sem mediações, sem zonas de proteção. Fugir das ideias desconfortáveis hoje pode custar caro amanhã. Ler os clássicos, entender os grandes pensadores, confrontar visões que nos incomodam — isso é o que nos torna mais fortes.

A pergunta é simples: você quer aprender, ou apenas se sentir confortável?

Somos Homo Sapiens Psicótico: A Espécie Que Saiu da Camisa de Força.

Por 200 mil anos, a humanidade viveu à mercê da natureza. A fome, as feras e a morte precoce funcionavam como uma camisa de força para o nosso instinto de caos. Sobrevivíamos com dificuldade, sem ilusões sobre controle absoluto. Cada dia era uma batalha pela continuidade.

Mas, nos últimos 200 anos, algo mudou drasticamente. A ciência e a tecnologia expandiram nossos poderes de forma nunca vista antes. Agora, podemos fazer quase tudo: prolongar a vida, manipular a genética, criar inteligências artificiais, reinventar modelos sociais. O que antes era impossível, hoje é cotidiano.

O problema? Não sabemos lidar com isso.

Quanto maior nosso controle sobre o ambiente, mais nossa psicose latente se manifesta. Não há limites naturais nos segurando. Podemos perseguir qualquer desejo, exigir qualquer privilégio, transformar vontades em "direitos inalienáveis". E quando todos querem tudo ao mesmo tempo, a consequência é o colapso.

Nietzsche já alertava sobre isso. Ao decretar a morte de Deus, ele antecipou uma era onde os antigos referenciais seriam destruídos, mas não necessariamente substituídos por algo melhor. Quando o homem deixa de reconhecer limites, ele se torna refém da própria desordem. A liberdade absoluta não traz paz, e sim uma angústia sem fim.

A realidade não se curva à vontade humana. Mas, na era do "eu mereço", acreditamos que qualquer desejo deva ser atendido. O problema não está apenas no pensamento infantil, mas na recusa em reconhecer que alguém sempre paga a conta. Se todos exigem mais sem dar nada em troca, o sistema inevitavelmente desmorona.

Roger Scruton dizia que uma sociedade que ignora responsabilidades e deveres não pode sustentar direitos reais. Quando tudo se torna uma demanda, mas ninguém aceita os custos da sua própria existência, o resultado é uma cultura frágil e desorientada.

Somos uma civilização que finalmente cortou suas amarras. A fome não nos limita, as feras foram domadas, a ciência nos protege da morte. Mas como pacientes de um hospício bombardeado, agora estamos soltos na rua, carregando ferramentas perigosas nas mãos. Podemos construir ou destruir. Podemos criar uma nova era ou sucumbir ao surto coletivo.

A pergunta mais urgente do nosso tempo não é "o que mais podemos fazer?". É "o que devemos fazer agora que podemos tudo?"

Porque sem resposta para isso, o colapso se torna apenas uma questão de tempo.

A reverência à contingência não significa desistir, mas enxergar a vida como ela realmente é. Não há roteiro infalível, não há método garantido, não há promessa de felicidade sem custo. O mundo não funciona assim.

Aceitar essa verdade é um ato de coragem. É parar de buscar atalhos e enfrentar o que vier sem as muletas do pensamento mágico. Assuma suas contas. Encare seus fracassos. Leia os mortos — porque eles já enfrentaram as mesmas questões que hoje nos preocupam e sobreviveram ao teste do tempo.

A autoajuda moderna tenta vender uma vida sem dor, sem incertezas, sem falhas. Mas o amadurecimento exige o oposto: a capacidade de suportar o que não pode ser mudado e aprender com aquilo que não pode ser evitado.

Nelson Rodrigues resumiu isso em uma única palavra: “Envelheçam.” E não apenas em idade, mas em percepção. Cresçam para além da infantilização coletiva, da cultura do escapismo, da obsessão pelo controle absoluto.


Então fica a questão: você prefere a ilusão do controle ou a coragem de encarar a vida como ela é?

A escolha é sua. E a vida, implacável, continuará acontecendo de qualquer forma.






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