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Como a estupidez Coletiva se espalha silenciosamente pela sociedade | Dietrich Bonhoeffer

O que acontece quando uma inteligência artificial analisa seus últimos 10 minutos de tela e conclui, com 94% de precisão, que você não está pensando – apenas reagindo?

Não é uma teoria da conspiração. É a fronteira final de um fenômeno que um pastor alemão, executado há 80 anos, previu com clareza aterradora. Enquanto você lia essa pergunta, algoritmos em dezenas de plataformas já começaram a oferecer respostas – simplificadas, polarizadas e viciantes – para o desconforto que ela causa. Essa é a engrenagem da "estupidez funcional" na era digital. E Dietrich Bonhoeffer, da sua cela de prisão nazista, tem algo vital para nos dizer sobre como escapar dela.


Você já se pegou rolando a tela sem consciência, consumindo um conteúdo que, minutos depois, nem lembra? Já sentiu aquele calor de raiva ao ler um comentário oposto ao seu, uma certeza instantânea de que "o outro lado" é não só errado, mas moralmente corrupto? E, mais assustador: já se surpreendeu compartilhando uma convicção fervorosa sobre um tema complexo que, até a semana passada, nem conhecia?

Seus genes não mudaram, você não ficou menos inteligente e nem as pessoas. Seu QI e da sociedade ainda é o mesmo. O que mudou foi o ecossistema cultural.

Bonhoeffer, ao observar a sociedade alemã abdicar massivamente de seu senso crítico em favor do regime nazista, não descreveu um povo burro. Ele diagnosticou uma epidemia de estupidez escolhida – uma rendição intelectual que é, hoje, sistematicamente incentivada e monetizada. O que ele viu brotar sob o terror e a propaganda de Estado, nós vemos florescer sob o assédio constante da dopamina digital e da polarização lucrativa.

Este não é um texto sobre um fantasma do passado. É um manual de sobrevivência cognitiva para o presente. Vamos explorar a teoria que Bonhoeffer nunca batizou, mas que pode ser a chave para entender por que, em um mundo com mais informação do que nunca, parece que estamos pensando cada vez menos. E o que podemos fazer, na prática, para resistir. A pergunta que fica não é se você é inteligente. É se você ainda tem coragem de buscar a sabedoria, ou seja, de olhar de outras perspectivas e construir um senso crítico daquilo que parece ser a lógica das massas culturais. 

Dietrich Bonhoeffer, através de "Cartas da Prisão", declarou sobre o sentimento da cultura alemã da época do holoscauto vivenciada em seu tempo: "A estupidez é um inimigo mais perigoso do que a maldade. Pode-se protestar contra o mal; ele pode ser desmascarado e, se necessário, impedido pelo uso da força. O mal sempre carrega consigo o germe de sua própria autodestruição, pois deixa, pelo menos, um sentimento de desconforto no ser humano. Contra a estupidez, não temos defesa. Nem protestos nem o uso da força são de qualquer serventia; razões não funcionam; fatos que contradigam os próprios preconceitos podem simplesmente ser negados... O estúpido, portanto, é intrépido e autoconfiante, e podemos ficar desesperados com ele. Mas, na verdade, ele não é uma pessoa independente; em vez disso, ele é um mero reflexo, um fantoche de outras pessoas, cujas ideias ele adotou."

A idéia é simples. Pense em uma doença que não aparece em exames de sangue, não reduz o QI, mas consegue fazer um vencedor do Prêmio Nobel defender ideias que destruiriam seu próprio trabalho. Essa doença existe, e Dietrich Bonhoeffer a chamou pelo nome mais direto possível: estupidez.

Enquanto aguardava seu destino numa cela da Gestapo, Bonhoeffer testemunhara algo mais inexplicável que a maldade: a rendição voluntária da mente. Ele viu professores universitários justificando leis de pureza racial, teólogos abençoando um regime de ódio e artistas celebrando a censura. A pergunta que o atormentava não era "como pessoas más podem fazer o mal?", mas "como pessoas boas e inteligentes podem se tornar cúmplices do mal sem perceber?"

O que ele descobriu vai contra tudo que nos ensinaram sobre inteligência.

E vemos essa "cegueira moral" descrita por Bonhoeffer se manifestar com violência crua nas redes sociais de hoje. Não é preciso procurar muito: são pessoas comemorando publicamente o assassinato de opositores políticos, ameaçando ou incitando o mal contra quem simplesmente pensa diferente.

O mais aterrador não é a raiva em si, mas a naturalidade com que a barbárie é verbalizada. Elas não agem como quem comete um deslize moral, mas como quem profere um axioma óbvio. A violência é justificada não como uma triste necessidade, mas como um ato de justiça. A premissa é sempre a mesma: aquele merece morrer porque eu não quero ouvir a ideia dele. A vida humana é condicional, e a condição é a concordância.

Essas pessoas operam sob uma dupla exigência patológica: querem aprovação irrestrita para suas opiniões mais violentas, mas zero responsabilização pelas consequências delas. É a mentalidade do "gritar fogo num teatro lotado e depois se fazer de vítima quando alguém é pisoteado no pânico". Elas exigem que o mundo aceite sua estupidez e, em seguida, continue a tratá-las como se nada tivesse acontecido, como se a dignidade alheia fosse um recurso infinito e descartável.

Esse mesmo mecanismo perverso se revela no caso de atores, celebridades e atletas que assinam um contrato com cláusulas explícitas de preservação de imagem da contratante, que incluem, por exemplo, a proibição de apologia ao crime ou de se envolver em determinadas polêmicas. Como que por um ato de rebeldia ou aparição, essas pessoas então violam conscientemente essas cláusulas, posando com criminosos, emitindo opiniões sensacionalistas contrárias ao acordado ou mantendo comportamentos degradantes , uso público de entorpecentes e bebedeiras. Mas o ápice não é o ato em si; é a reação subsequente.

Em vez de enfrentar a quebra de contrato, essas pessoas se vitimizam. Transformam a irresponsabilidade em uma bandeira de luta contra a opressão do sistema. A consequência lógica de sua ação – a rescisão – é tratada como uma agressão injustificada. A estrutura do acordo, os valores que ele próprio se comprometeu a defender, tudo deve ser suspenso em nome da sua conveniência. É a estupidez da irresponsabilidade em seu estado puro: a crença infantil de que se pode atear fogo às regras e depois chorar pela queimadura.

É o mesmo impulso que motiva a pessoa que, após espalhar ódio nas redes, é demitida e grita sobre "censura" e perseguição injustificada. Como se uma empresa fosse obrigada a manter em seu quadro alguém depravado moralmente, insensível e antipático. Essas pessoas não querem liberdade de expressão; elas querem liberdade de consequência. Querem que o mundo e os valores não sejam uma estrutura sólida, mas um tratado de conveniência efêmera, renegociado a cada minuto para servir aos seus caprichos e isentá-las de qualquer ônus.

Bonhoeffer identificou que o estúpido não é independente, é um fantoche de slogans. Hoje, esses slogans são os chavões do vitimismo e da tribalização. A pessoa se torna um veículo de ódio, mas quando a realidade cobra seu preço, ela recua para o conforto de uma identidade de vítima, exigindo a compaixão que ela mesma se negou a oferecer. Ela não enxerga a contradição porque a estupidez, como uma catarata na consciência, tornou-a cega para a própria imagem no espelho. Ela não quer dialogar; quer um refém para o seu monólogo.

A estupidez que Bonhoeffer descreve nada tem a ver com capacidade intelectual, pois há pessoas bem instruídas e profissionais brilhantes que se comportam de forma estúpida. Podemos dizer então que é uma patologia da consciência. Um fechamento autoimposto da mente que ocorre quando a verdade se torna muito inconveniente, demasiado perigosa ou simplesmente não rentável. Enquanto a falta de inteligência é uma limitação, a estupidez é uma decisão - a decisão de não ver, não ouvir e não pensar.

O estúpido, na definição bonhoefferiana, não é aquele que não consegue entender. É aquele que se recusa a entender. É o médico que ignora evidências científicas para promover uma ideologia. O jornalista que omite fatos cruciais para manter uma narrativa. O cidadão comum que prefere o conforto do rebanho ao desconforto do pensamento independente.

Esta paralisia do julgamento não surge do vácuo. Ela floresce em tempos de crise, quando o medo e a incerteza nos tornam vulneráveis aos cantos de sereia das soluções simples. O estúpido funcional muitas vezes acredita piamente que está fazendo o bem - e essa certeza moral é o que o torna completamente imune à razão.

Enquanto o malicioso sabe que está fazendo o mal e pode eventualmente ser confrontado por sua própria consciência, o estúpido opera com a tranquilidade de quem acredita estar do lado certo da história. Esta é a armadura perfeita contra qualquer apelo à racionalidade ou à compaixão.

Talvez um equívoco moderno foi medicalizar e psicologizar excessivamente esse fenômeno. Diagnosticamos a estupidez como viés cognitivo, dissonância cognitiva, efeito Dunning-Kruger, TDH, Burnout. Todos termos úteis, mas que individualizam o que Bonhoeffer insistia ser um fenômeno coletivo. A estupidez, ele percebeu, é contagiosa - espalha-se como um vírus através do corpo social.

A ironia mais cruel é que a estupidez muitas vezes se veste de inteligência. Ela cita estatísticas seletivas, constrói argumentos elaborados, cria sistemas intelectuais complexos - tudo para justificar o que precisa ser justificado. A verdadeira burrice seria incapaz de tamanho esforço; a estupidez, por outro lado, mobiliza consideráveis recursos mentais para não ter que pensar de verdade.

O que torna a análise de Bonhoeffer tão perturbadoramente atual é que ela antecipou o mecanismo das nossas bolhas digitais. O algoritmo que nos entrega apenas o que queremos ouvir, as redes sociais que nos recompensam pela certeza e nos punem pela dúvida - tudo isso cultiva sistematicamente a estupidez funcional que ele descreveu.

Quando Bonhoeffer escreveu que "o estúpido é frequentemente teimoso", ele estava apontando para um dos sintomas mais reveladores: a incapacidade de revisar posições diante de novas evidências. Esta rigidez mental não vem da falta de informação, mas do excesso de investimento emocional e identitário numa determinada visão de mundo.

A grande tragédia é que a estupidez, uma vez instalada, é praticamente irreversível. "O estúpido", ele notou com desespero, "é intrépido e autoconfiante". Esta autoconfiança inabalável é o que torna quase impossível qualquer tentativa de diálogo ou persuasão. Tentar argumentar com alguém possuído pela estupidez funcional é como debater com um sonâmbulo - você está numa realidade diferente.

Num insight que deveria ser lido por todos que se preocupam com a saúde democrática, Bonhoeffer percebeu que a estupidez é essencialmente uma falha de relacionamento. O estúpido perdeu a capacidade de se colocar no lugar do outro, de ouvir verdadeiramente, de se vulnerabilizar ao diferente. É a solidão intelectual transformada em virtude.

Esta compreensão nos leva ao cerne da questão: se a estupidez é uma doença da consciência, seu antídoto não pode ser simplesmente mais educação no sentido técnico. O que é necessário é uma reeducação do caráter, uma reabilitação da coragem moral que nos permita encarar verdades desconfortáveis.

A pergunta que Bonhoeffer nos deixa não é "como podemos fazer as pessoas serem mais inteligentes?", mas "como podemos criar condições sociais que tornem mais difícil para as pessoas escolherem a estupidez?". Como podemos construir ecossistemas que recompensem o pensamento independente em vez da conformidade intelectual?

Numa época de inteligências artificiais que podem simular conhecimento, de deep fakes que podem fabricar realidade, a capacidade de pensar criticamente - de resistir ao fechamento mental - torna-se não apenas uma virtude intelectual, mas uma necessidade de sobrevivência civilizatória.

O alerta de Bonhoeffer ecoa através das décadas com urgência renovada: a batalha decisiva do nosso tempo não é entre esquerda e direita, progresso e tradição, mas entre pensamento e não-pensamento. Entre a coragem de duvidar e o conforto da certeza.

Quando ele escreveu que "contra a estupidez estamos indefesos", não estava nos convidando ao desespero, mas nos alertando sobre a natureza do inimigo. A única defesa possível, sugeriu, é o cultivo obstinado da independência intelectual - mesmo quando, especialmente quando, essa independência nos custa caro.

Este é o cerne da genialidade de Bonhoeffer: sua recusa em patologizar o que era, na verdade, um sintoma social. Enquanto olhamos para o indivíduo que propaga absurdos e tentamos diagnosticar sua psicologia, Bonhoeffer nos puxa pela gola e grita: "Olhem para o sistema que o produz!" A estupidez, ele insistia, não é um defeito de fabricação individual, mas um subproduto tóxico de arranjos sociais doentios.

Ele viu que a estupidez em massa da Alemanha não brotou espontaneamente de milhões de cérebros falhos simultaneamente. Foi cultivada. Regada a medo, podada pelo isolamento e adubada com a promessa de pertencimento incondicional. O poder autoritário, seja ele político, ideológico ou, hoje, algorítmico, não suprime o pensamento crítico por acidente; é sua condição de existência.

O mecanismo é perverso em sua eficiência. Primeiro, vem o isolamento. As pessoas são retiradas dos espaços de debate plural e confinadas em câmaras de eco. Seja através da propaganda de Goebbels ou dos feeds personalizados de redes sociais, o resultado é o mesmo: a realidade objetiva se dissolve, substituída por uma narrativa conveniente. Você não precisa mais confrontar ideias que desafiem suas certezas; o sistema as remove silenciosamente do seu campo de visão.

Em seguida, o aterrorização. Um inimigo onipresente é o que faz as pessoas se unirem em torno de uma ideia estúpida.  A narrativa se concentra contra um povo, um grupo político, globalistas, "o outro time político". A ameaça constante justifica a suspensão da dúvida. Quando se sente sob cerco, questionar o líder ou a ideologia torna-se não um ato de pensamento, mas de traição. O medo é o anestésico que permite a amputação da consciência crítica. Vemos isso bem no conceito de Medo Líquido de Bauman, como o medo tem sido a ferramenta mais poderosa de manipulação de massas e abdicação de liberdades individuais em prol da curiosidade do grande Leviatã. Um Estado cada vez mais faminto por informações e controle, audaz em dirigir a vida e opiniões das pessoas, grandes grupos e conspiradores que se alimentam do medo, da insegurança. 

Por isso estamos cada vez mais suscetíveis à oferta do pacote fechado de "verdades e resoluções imbecis se olharmos de perto". É aqui que a engrenagem se completa. O sistema fornece um kit pronto de respostas para todas as questões complexas da vida. Não é necessário o fardo do estudo, da reflexão ou da dúvida. Basta adotar o slogan, o mantra, a frase de efeito. Como Bonhoeffer observou com amargura, ao conversar com o estúpido, "se tem a impressão de que não se está falando com uma pessoa, mas com frases-feitas, palavras de ordem, etc., que nela se alojaram".

E é precisamente por ser um fenômeno sociológico que a estupidez se revela mais perigosa do que a maldade. Esta é talvez a intuição mais contraintuitiva e crucial de Bonhoeffer. O mal, em sua forma pura, carrega dentro de si o germe de sua própria destruição. Ele provoca nojo, revolta, resistência. É identificável e, portanto, combatível. Podemos apontá-lo, desmascará-lo e, na última instância, contê-lo pela força.

A estupidez, no entanto, é uma fortaleza inexpugnável. O estúpido está convencido de sua própria virtude. Ele não age movido por um desejo consciente de destruir, mas por uma certeza fanática de estar construindo um mundo melhor. Tentar argumentar com ele é como atirar flechas contra um tanque: os fatos ricocheteiam, a lógica se espatifa. "Razões não funcionam," escreveu Bonhoeffer, "factos que contradigam os próprios preconceitos podem simplesmente ser negados."

Esta imunidade à razão torna a estupidez uma força social incontrolável. Enquanto o maligno pode, em algum momento, ser confrontado por seu próprio remorso ou pela justiça humana, o estúpido avança com a bandeira da retidão moral, deixando um rasto de destruição que ele sequer reconhece. A sua consciência não o acusa; ela o aplaude.

É aqui que a liberdade, na visão bonhoefferiana, deixa de ser um conceito abstracto e se torna uma escolha visceral. Ele não a entendia como a "liberdade de" – essa licença infantil para fazer o que se quer sem consequências, que tanto alimenta a estupidez irresponsável que você descreveu. A verdadeira liberdade, ele argumentava em "Ética", é a "liberdade para" – a liberdade para assumir a responsabilidade pelo outro, mesmo quando isso custa caro.

Esta é a antítese da obediência cega. Para Bonhoeffer, "a obediência cega à autoridade é a negação última da responsabilidade moral." Quem entrega seu julgamento a um líder, a um partido ou a uma multidão online abdica da sua própria humanidade. Torna-se um instrumento, um cabo de transmissão do mal, lavando as mãos como Pôncio Pilatos sob o pretexto de "apenas seguir ordens" ou "era o que todos estavam a fazer".

Contra essa maré, a única postura ética é a coragem de falar, mesmo quando a voz treme. "O silêncio diante do mal é, em si mesmo, um mal," era sua convicção. Ele pregava que no juízo final, não seremos questionados sobre quão populares ou "corretos" fomos segundo as convenções do nosso tempo, mas se, no momento crucial, fizemos o que era certo.

Isto implica uma rejeição radical da ignorância deliberada. Na economia moral de Bonhoeffer, "não basta bater no peito e dizer: 'Eu não sabia'. A ignorância deliberada é uma forma de culpa." Fechar os olhos voluntariamente, recusar-se a ver a consequência das próprias ações ou das ideias que se propaga, é uma opção activa pela cumplicidade.

Portanto, o antídoto para a estupidez sociologicamente induzida não é um curso de lógica, mas uma injeção de coragem cívica. É a disposição de ser o dissidente na sala de grupo, o que pergunta "porquê?" quando todos já aceitaram o "o quê?", o que paga o preço da responsabilidade em vez de usufruir dos benefícios da irresponsabilidade.

No mundo hiperconectado de hoje, onde os sistemas de poder que cultivam a estupidez são mais difusos e insidiosos do que qualquer regime estatal, este chamado é mais urgente do que nunca. A batalha não é apenas contra um tirano com bigode, mas contra as tiranias suaves dos algoritmos, dos likes e da pressão social por conformidade. A liberdade, nesse contexto, torna-se o ato diário de desligar o piloto automático e reassumir o controle do volante da própria consciência. É a recusa eterna a ser apenas um fantoche.

Talvez o melhor antídoto é buscar uma visão mais aberta sobre as questões que envolvem as pessoas. O fato de alguém ser obeso não o faz automáticamente inofensivo. O fato de termos uma vida difícil não faz de nós um potencial criminoso. Vivemos numa era de julgamentos sumários, onde a complexidade humana é reduzida a rótulos convenientes. Ser obeso não é presunção de ser inofensivo e de autopiedade; ser rico não torna ninguém melhor ou imune à pratica de crimes; a contraponto, a pobreza também não pode ser usada para romantizar o crime. São debates que precisam ser sustentados simultaneamente, afastar o rótulo da coisa, tirar do cesto e dar a oportunidade de que os fatos sejam avaliados em menores partes. Da mesma forma que há políticos desonestos, há pessoas honestas neste meio.. Não preciso combater todos os políticos, mas dissecar as maçãs podres. É essa a solução  É  exatamente essa capacidade de manter ideias aparentemente tensionadas que a estupidez funcional destrói.

O mesmo se aplica às discussões sobre identidade. Cuidar do corpo não é sinônimo de narcisismo ou preconceito contra pessoas obesas. Nem tudo é uma bandeira de um contra o outro. Às vezes as pessoas fazem coisas para se sentir bem, enfrenta problemas à sua maneira. A masculinidade não precisa ser "cancelada", mas sim exercida com respeito. A feminilidade não precisa ser extinta para que se conquiste igualdade. Homens e mulheres não precisam medir forças para construir uma família ou manter sua individualidade como pessoa. 

A verdadeira luta por igualdade não passa pela anulação das diferenças, mas pela construção de um diálogo aberto sobre como podemos ter participação social e cultural equitativa. A extinção do debate em nome de ideologias radicais - seja de um extremo ou de outro - é apenas outra face da mesma estupidez que Bonhoeffer combateu. Hoje é lamentável ver professores universitários impondo pensamentos, ridicularizando alunos por causa de posicionamento político, a dominação da idiocracia. Monólogo do pensamento na educação. 

Contra isso, só existe um remédio: a coragem de pensar sobre o que estamos consumindo e adotando como verdades. A disposição de sair dos campos binários, lado A ou lado B, é assumir que a verdade raramente está nos extremos, mas no difícil equilíbrio entre responsabilidade individual e justiça social, entre tradição e progresso, entre direitos e deveres. A harmonia social não é construída somente através de ideias progressistas, tradições são importantes. Da mesma forma, uma sociedade não deve impor somente as tradições, é preciso construir um debate equilibrado, chegar à um acordo social mútuo. 

Esta não é uma posição cômoda. Será sempre mais fácil construir um inimigo e usar toda a covardia humana para justificar nossas loucuras. Será sempre mais fácil aderir a modas ideológicas do que defender que homens e mulheres devem construir pontes, não trincheiras.

Mas é exatamente esse incômodo que nos salva da estupidez. Pensar, no fim das contas, é isso: a coragem de não se render às simplificações, mesmo quando isso signifique nadar contra a corrente. É a última fronteira da liberdade humana em tempos de radicalismos.



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