O que é Filosofia? Segundo Hume, Bergson e Slavoj Žižek
- Método & Valor
- 23 de out. de 2024
- 12 min de leitura
Você já parou para pensar se a razão realmente nos leva a algum lugar? Hoje, vamos mergulhar na mente de David Hume e Slavoj Žižek e descobrir por que, em um mundo cheio de certezas, a verdadeira filosofia começa com a dúvida!
No tribunal da razão, a filosofia não é um julgamento sobre verdades absolutas, mas sim uma exploração profunda sobre quem somos e como pensamos! Hume nos ensina que, ao invés de buscar respostas, devemos fazer as perguntas certas. Você sabia que, entre todos os filósofos, poucos se atrevem a questionar a própria razão?
Prepare-se! Vou revelar três analogias poderosas que vão mudar sua visão sobre o conhecimento e a natureza humana. Não perca! Sua mente pode nunca mais ser a mesma!
Quando pergunto às pessoas o que pensam, a resposta mais comum que ouço é “nada” ou críticas como “fica pensando, pensando e não sai do lugar”. Queria compartilhar uma ideia de um filósofo que venho estudando: Slavoj Žižek.
Em um mundo super pragmático, é normal que a primeira pergunta que surge seja: “O que a filosofia faz?” ou “Qual é a utilidade de um filósofo?”. O problema com essa pergunta é o verbo “fazer”, que implica ações práticas e funcionais. Por exemplo, um engenheiro civil constrói, um médico cuida de doentes e um advogado defende seu cliente. Mas o que exatamente faz um filósofo?
Žižek explica que a função da filosofia é bem diferente das outras profissões mencionadas. A filosofia não tem a intenção de resolver problemas, e é justamente isso que a torna especial. A verdadeira missão do filósofo é redefinir os problemas e repensar as perguntas. Ele não é alguém que traz respostas prontas; sua real intenção é fazer perguntas. Muitas vezes, o que acreditamos ser um problema na verdade não é. Se ficarmos focados em resolver essa “questão”, podemos acabar criando outra ainda mais complicada, caindo em um ciclo sem fim, onde a solução se torna impossível a longo prazo. É aí que a filosofia entra em cena: dando um passo atrás para verificar se realmente estamos fazendo a pergunta certa (talvez por isso as pessoas considerem os filósofos tão chatos).
Devemos ou não adotar a educação domiciliar? Essa é uma pergunta simples. Mas por que muitos pais defendem com tanta veemência o direito de ensinar seus filhos em casa, mesmo que isso não faça parte do modelo educacional tradicional? Essa é uma pergunta filosófica. E quanto à proposta de reavivar os valores familiares nas escolas? É uma pergunta simples, mas o que leva algumas pessoas em nossa sociedade a acreditar que a educação deve ser um espaço para formar não apenas acadêmicos, mas cidadãos com princípios sólidos? Mais uma vez, uma questão filosófica.
Nesses casos, o papel do filósofo é agir como um guia. Através de seus questionamentos, ele ajuda a reduzir a chance de fazermos a pergunta errada, não apenas de buscar a resposta. Fazer a pergunta errada é como falhar antes mesmo de começar. Por isso, como Zizek afirma, quando enfrentamos um grande problema, algo urgente, não chamamos um filósofo para resolvê-lo. Se um meteoro estivesse se aproximando da Terra, chamaríamos os militares ou cientistas para lançar uma bomba atômica ou qualquer outra solução para salvar o planeta. A filosofia não consegue lidar com essa urgência do mundo atual, e o filósofo não seria tolo a ponto de se perguntar se um meteoro vindo em nossa direção é realmente um problema. Ele sabe que é, mas suas habilidades não são adequadas para essa situação.
É aqui que percebemos a importância da filosofia e seu jeito humilde de agir: ela se permite fazer perguntas diferentes.
Então, alguém pergunta ao filósofo:
– Existe a verdade?
E ele responderia:
– Não sei! Mas por que a verdade é tão importante para você?
Hume trás uma outra perspectiva. Logo de cara, afirma que é comum começar um livro criticando os sistemas dos outros filósofos e elogiando o próprio. Mas, ele acrescenta, somos ignorantes “nas questões mais importantes que podem ser levadas ao tribunal da razão humana”. Então, como podemos iniciar um livro de filosofia sem dar um passo para trás?
Sua ideia era levar a razão ao tribunal, ou seja, significa exigir provas daquilo que se afirma. Sentada no banco dos réus, a razão deve apresentar evidências para suas ideias metafísicas.
Dessa forma, podemos definir a filosofia como a percepção da fragilidade da razão e a necessidade de encontrar um espaço próprio para o pensamento. Em vez de se autoelogiar, a filosofia deve começar com perguntas: até onde o pensamento pode ir? Quais são os limites que precisam ser respeitados para que a filosofia tenha credibilidade? Quando é que o filósofo deve parar de questionar?
No tribunal, ao examinarmos a razão e a filosofia que dela depende, o que encontramos? Hume observa que é uma grande bagunça, onde “não há assunto sobre o qual os estudiosos não tenham opiniões divergentes”. Entre os filósofos, a controvérsia é constante; sempre há alguém que apresenta uma opinião contrária, afirmando ter a verdade. Nesse ponto, surge a segunda analogia:
Hume, em o Tratado da Natureza Humana, afirmou: “Em meio a todo esse alvoroço, não é a razão que conquista os louros, mas a eloquência; e ninguém precisa temer não encontrar seguidores para suas hipóteses, por mais extravagantes que sejam, se for hábil o suficiente para apresentá-las de forma atraente. A vitória não é dos combatentes que empunham a espada, mas dos corneteiros, tamborileiros e outros músicos do exército.”
A analogia que compara a filosofia a um exército composto por combatentes e músicos ilustra um princípio do ceticismo grego chamado diaphonia, que se refere ao desacordo constante entre todos os pensadores. Isso gera uma dissonância no discurso, impedindo que ele se torne universal, uniforme, progressivo ou coerente.
É importante lembrar que Hume é um filósofo cético, sempre desconfiando da capacidade de se estabelecer um conhecimento indubitável sobre qualquer coisa. Mesmo assim, precisamos aprender a distinguir os verdadeiros filósofos daqueles que apenas fazem barulho. Pitágoras falava dos números, Platão das ideias e Epicuro dos átomos… Mas afinal, quem está certo?
Não há uma resposta fácil para essa pergunta, mas é fundamental saber separar o que é filosofia do que é apenas barulho. A segunda analogia nos mostra uma característica essencial da filosofia para Hume: recuperar o pensamento filosófico do impacto negativo causado pelo desacordo. Pensar é desafiador, mas é possível diferenciar um pensamento bem fundamentado de um que é superficial, feito sem rigor.
Assim, o ceticismo não leva a um nivelamento que considera todos os pensamentos igualmente corretos ou incorretos. É necessário defender a filosofia; as pessoas se afastam dela (especialmente da metafísica) porque, além de ser difícil, ela é sempre questionável. Porém, é exatamente essa complexidade que a torna valiosa. Não devemos abandonar um pensamento só porque ele é difícil ou suscetível a críticas; ao contrário, devemos valorizar aqueles que conseguem formular conceitos diante dessas dificuldades.
Recuperar a filosofia começa ao perceber que todo conhecimento se relaciona com um sujeito que o antecede e, por isso, não pode deixar de ser também o objeto desse conhecimento. Aqui está o resultado do passo para trás que mencionamos anteriormente: Hume pretende, antes de tudo, fazer uma ciência da ciência, uma teoria do conhecimento, uma epistemologia.
É claro que todas as ciências têm alguma relação com a natureza humana. E, por mais que algumas delas possam parecer distantes dessa natureza, sempre acabarão voltando a ela de alguma forma. Hume afirma: "Nós não somos apenas seres que raciocinam, mas também os objetos sobre os quais raciocinamos".
Hume reconhece que o conhecimento não surge do nada, mas se baseia em uma natureza que o antecede: a natureza humana. A filosofia natural, as ciências matemáticas e a filosofia moral são produtos de uma forma humana de conhecer. Portanto, se queremos pensar e viver melhor, precisamos investigar a natureza humana.
Para ele, a filosofia começa com o estudo do conhecimento, da sua formação, organização, desenvolvimento, funcionamento e produtos intelectuais porque, antes de conhecermos algo, precisamos entender o que é conhecimento. Como poderíamos responder a qualquer pergunta sem primeiro nos questionar sobre quais respostas consideramos válidas? Aqui surge a terceira analogia:
“O único recurso capaz de levar nossas investigações filosóficas ao sucesso é abandonar o método moroso e entediante que seguimos até agora e, em vez de tomar, vez por outra, um castelo ou aldeia na fronteira, marchar diretamente para a capital ou centro dessas ciências, para a própria natureza humana.”
Por muito tempo, discutimos o conhecimento sem questionar quem é o conhecedor. Chegou a hora de nos dirigirmos ao cerne da questão. A filosofia deve começar mapeando o que a mente possui, descobrindo seus limites e capacidades antes de avançar em direção a temas como ética, política e religião.
Fazer filosofia é perguntar o que significa conhecer, e a resposta sempre nos levará a uma compreensão da natureza humana. Por isso, podemos considerar a filosofia como uma ciência da natureza humana: um conhecimento sobre como o ser humano pensa. E não basta apenas identificar as fraquezas do entendimento humano, pois, independentemente de seu funcionamento, ele funciona. A questão fundamental é: como funciona?
Para que a filosofia se estabeleça como uma ciência da natureza humana, o filósofo deve começar com perguntas como: quais materiais a mente tem para pensar? Como ela organiza esses materiais? Quais dificuldades ela encontra nesse processo? Essas perguntas levarão Hume a adotar o empirismo como o método que pode oferecer respostas satisfatórias. No entanto, a resposta à pergunta sobre o que é filosofia não pode ser apenas empírica, pois ela é uma reflexão mais ampla sobre o ato de conhecer.
Através de três analogias, Hume responde à pergunta “O que é filosofia?” afirmando que a razão, levada ao tribunal, deve reconhecer o desacordo constante entre seus pensadores e aceitar uma reflexão sobre a maneira humana de conhecer como ponto de partida para uma filosofia válida.
Para Bergson, Filosofar é inverter a direção do nosso pensamento.” Isso nos faz refletir sobre como vivemos hoje. Estamos sempre correndo, vivendo no agora e esquecendo do que realmente importa. A história da filosofia é, em muitos aspectos, a história de como esquecemos o tempo e a profundidade das coisas. Com a tecnologia, estamos tão focados em capturar o presente com fotos e vídeos que, no dia seguinte, já esquecemos tudo isso. Precisamos resistir a essa tendência de viver de forma tão superficial.
Desde os tempos antigos, a filosofia sempre buscou entender o que realmente é a essência das coisas. Mas, com o tempo, perdemos essa conexão. Hoje, parece que a ciência e a tecnologia nos transformaram em máquinas, nos tornando escravos da velocidade e da eficiência. Bergson nos alerta sobre as armadilhas dessa vida moderna, onde nos tornamos apenas “apertadores de botões”, sem profundidade, sem subjetividade.
E o que é realmente a filosofia? No passado, ela se baseava no que era imutável, mas essa abordagem não é suficiente. A ciência é importante e nos ajuda a encontrar soluções, mas não deve dominar a maneira como pensamos sobre a vida. Precisamos repensar tudo isso. Às vezes, estamos tão focados em resolver problemas que nem percebemos que muitas vezes estamos tentando resolver questões que nem são reais!
É preciso ter cuidado ao filosofar. Não questionar ou filosofar de forma superficial pode ser prejudicial. Precisamos aprender a fazer as perguntas certas para encontrar respostas que realmente fazem sentido para nós.
Deve-se considerar que a filosofia, tal como a definimos, ainda não tomou consciência completa de si mesma. A física compreende seu papel quando empurra a matéria no sentido da espacialidade; mas teria a metafísica compreendido o seu quando pura e simplesmente acertava o passo com a física, com a quimérica esperança de ir mais longe na mesma direção?.
Neste sentido, podemos afirmar que a Filosofia e a Física seguem caminhos opostos, com a expectativa de um dia se encontrarem. O que, para a Física, é seu objeto de conhecimento mais precioso — a matéria — para a metafísica é considerado algo inerte e sem valor. Enquanto a Física degrada o tempo em quantidades iguais, Bergson recupera esse conceito como intensidade: a Duração. O pensador francês não é um discípulo de Platão; sua filosofia segue uma trilha distinta: por trás do fixo, existe a mudança, pois apenas a mudança é que é.
No fundo da filosofia antiga, encontramos um postulado fundamental: há mais no imóvel que no movente, e, por via de diminuição e atenuação, passa-se da imutabilidade ao devir. De fato, a ideia de devir é central. A filosofia antiga já começa com a tensão entre devir e imutável, com Heráclito e Parmênides em lados opostos. O que faz Platão? Ele tenta agradar a ambos, mas acaba se inclinando para a imobilidade: “O tempo é a imagem móvel da eternidade”. Essa busca pela completude reflete uma vontade de se tornar imóvel, perfeito. Assim, Parmênides prevalece, e todos nós olhamos para o mundo como inferior às ideias; o mais lento é sempre considerado melhor.
A filosofia se torna degenerada quando o eterno e o imóvel se sobrepõem à ideia de fluxo e mobilidade. Se as ideias imutáveis se tornam mais dignas ao se encarnarem no fluxo perpétuo das coisas, perdemos a essência do pensamento. Bergson propõe exatamente o contrário: o imutável é menor que a realidade! A ideia é um mero aparte, um corte, uma seleção que nos interessa e pode ser útil, mas o fluxo constante da existência sempre será maior que nossas pretensas ideias artificiais.
Dizíamos que há mais num movimento que nas posições sucessivas atribuídas ao móvel, mais num devir que nas formas atravessadas sucessivamente, mais na evolução da forma que nas formas realizadas uma depois da outra. A direção está clara: queremos deixar as ideias imóveis para trás e voltar a habitar os fluxos, abandonando a busca por imagens perpétuas para encontrar o pensamento no que se move, que não descansa, não para.
Mas o que é pensar? Pensar não é comunicação, não é notícia de jornal, não é expressão ou discussão em redes sociais. Então, como começar a pensar? O melhor começo talvez seja hesitar, desconfiar do que nos dizem e que apenas nos faz reagir mecanicamente. O maior obstáculo ao pensamento hoje é o excesso de ruído e comunicação, a saturação do ambiente. Os turbilhões de bits e bytes nos impedem de pensar! Essa vida hiperconectada leva o ser humano a esquecer-se de si mesmo, organizando-se de tal forma que a menor fagulha de reflexão se apaga. Para Bergson, pensar é raro e difícil, não pela complexidade, mas porque exige que encaremos o que nos incomoda. Nós pensamos sempre contra nós!
Bergson deseja que a filosofia recupere seu caráter perigoso; ela não deve buscar ideias platônicas, não pode imitar o discurso científico e não deve se submeter às exigências cotidianas. A filosofia é extemporânea, insubmissa, não pode perder-se nas urgências da modernidade. Ela se arruína ao tentar seguir esse caminho. A filosofia não nasceu para servir à inteligência ou ao status quo; ao contrário, ela busca levar o pensamento além, um passo adiante, para o abismo, onde não sabemos o que acontecerá!
Por meio da filosofia, nossas capacidades intuitivas são novamente postas em circulação. A filosofia insere algo novo no mundo, algo imprevisível. Pensar é encarar o desconhecido. Por isso, a razão e o intelecto não podem abarcar a filosofia, pois a limitam. O intelecto é o primo educado da intuição, e a consciência será sempre menor que o pensamento, pois o pensamento está além da representação; ainda não existe, está em vias de se criar, é um processo contínuo.
A filosofia deveria ser um esforço para superar a condição humana. O que é a Filosofia? É a necessidade de ir além de nós mesmos. Após nos distanciarmos da física e desvincularmo-nos da imobilidade, podemos responder: A Filosofia é um ato de pensar que nos faz entrar em devir! Filosofia é o pensamento que cria devires! Para cumprir essa tarefa, precisamos voltar ao campo da intuição e da duração, reencontrando nossos fluxos de pensamento e criação. Somente assim é possível filosofar, cortando as amarras que nos impedem de avançar.
Há algo de indomável na Filosofia, por isso ela nunca deixará de existir; o pensamento é perigoso, é um ato criativo que nos transforma no que ainda não sabemos. Bergson retoma a metafísica, mas numa abordagem imanente, que não busca em outros mundos suas respostas. A metafísica é o que está para além da física, que pertence apenas ao nosso campo de saber.
O que importa verdadeiramente para a filosofia é saber que unidade, que multiplicidade, que realidade superior ao um e ao múltiplo abstratos é a unidade múltipla da pessoa. Isso é Filosofia! Sair do mecanicismo autônomo, rápido e irrefletido, para entrar no questionamento. Recolocar problemas que são nossos, e não dos outros. Tornar-se ativo no ato do pensamento, sem responder às demandas externas sem questioná-las. A maldição de nosso tempo é que tudo é tão rápido e instantâneo que não nos sentimos confortáveis em dar um passo para trás, hesitar e nos perguntar: será que é isso que eu quero?
Bom, por isso trouxemos estas três perspectiva sobre o que seria a filosofia. Ao entrelaçarmos as visões de Hume, Bergson e Žižek, somos levados a uma reflexão enriquecedora sobre a natureza da experiência humana. Hume nos ensina que nossa compreensão do mundo é, em última instância, uma dança complexa entre razão e emoção, revelando a fragilidade das certezas que tanto buscamos. Bergson, por sua vez, nos convida a abraçar a fluidez do tempo e da vida, lembrando-nos que a verdadeira essência do ser está no movimento, na mudança e na intuição.
E, ao adicionarmos a perspectiva provocativa de Žižek, percebemos que muitas de nossas decisões estão embutidas em estruturas ideológicas que muitas vezes não questionamos. Ele nos desafia a olhar além das aparências, a desvelar os desejos que nos movem e a reconhecer que o que tomamos como real é frequentemente uma construção social.
Portanto, ao refletirmos sobre essas ideias, somos instigados a praticar uma filosofia que não busca respostas definitivas, mas que se aventura nas nuances da vida. Que possamos nos permitir hesitar, questionar e redescobrir a complexidade de nosso ser. E, assim, na confluência de experiências e ideias, encontrarmos não apenas um entendimento mais profundo de nós mesmos, mas também uma abertura para novas possibilidades. Afinal, como bem disse Bergson, “pensar é encarar o desconhecido”, e é nesse espaço de incerteza que reside o verdadeiro potencial do nosso pensamento e da nossa existência.
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